quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A HORTA MEDICINAL - Capítulo 1 - PROPAGAÇÃO

Sementes de manjericão emergidas em vasos e estaquia experimental em acessos diversos

A PRODUÇÃO DAS MUDAS

 Por Jean Kleber A. Mattos

As primeiras necessidades de quem se propõe a produzir plantas medicinais são: a obtenção das plantas e a correta identificação das espécies. A tarefa torna-se mais facilitada quando iniciamos com uma coleção de abrangência regional, porquanto as mudas poderão ser obtidas através de sementes, tubérculos, bulbos e outros propágulos obtidos no próprio município. 
Resta saber ONDE obter os propágulos. A resposta é simples. Toda comunidade tem entre seus habitantes, pessoas que conhecem e cultivam em seus jardins e quintais algumas plantas das quais fazem uso para o tratamento de suas enfermidades. Bastaria então pedir ou comprar as mudinhas. Além disso, nas feiras de bairro encontramos os raizeiros ou vendedores de ervas em cujo balcão encontram-se sementes e outros propágulos de plantas utilizados na confecção de medicamentos caseiros. Tais propágulos podem ainda ser obtidos em matas e campos próximos quando existentes, ou ainda em viveiros, hortos florestais, jardins botânicos, os quais sempre possuem uma secção de produção de mudas para venda ao público. Desta forma poder-se-á dar início a uma coleção com plantas da própria região, mesmo que de início disponhamos apenas de sua denominação popular. Posteriormente, com a ajuda de um botânico ou estudioso, obteríamos as denominações botânicas.
Algumas ervas são vendidas frescas, aos molhos, com por exemplo os agriões, as artemísias, os hortelãs, os manjericões, as cidreiras e outras. Das ervas frescas são vendidos os brotos, as partes mais novas das plantas. São raminhos foliares ou floríferos. Nos ramos floríferos, por exemplo o das alfavacas, podem ocorrer frutos maduros, daí que a presença de sementes viáveis e aquênios é perfeitamente possível. Desta forma, “batendo-se” o ramo sobre um substrato qualquer, uma sementeira por exemplo, pode-se obter uma semeadura bem sucedida. Em poucos dias, caso se mantenha o substrato adequadamente úmido, surgirão as plantinhas.
Alguns frutos, secos ou não, são encontrados nas feiras e nas bancas dos raizeiros. São exemplos o fruto seco da “cabacinha” ou buchinha do norte, que, sendo baga enquanto imaturo, é utilizado quando seco para o tratamento da sinusite mediante inalações. No interior da trama fibrosa destes frutos encontramos sementes viáveis. Outro exemplo é o dos frutos da romã, em cujo interior são encontradas inúmeras sementes envolvidas por uma substância comestível. Nas bancas de temperos ou em supermercados, são encontrados saquinhos de plástico, de celofane ou caixas contendo “tea bags”, de onde podemos retirar por exemplo, os aquênios (sementes) de cominho, erva-doce, endro, camomila e coentro. São encontradas ainda as sementes, a granel, de gergelim. Nossa experiência tem mostrado que o semeio desse material é perfeitamente adequado para a obtenção de mudas. Eventuais insucessos podem decorrer de falhas no manejo da sementeira ou devido ao uso de propágulos demasiado velhos ou mal conservados.
A profundidade de semeadura deve ser de 2x vezes o maior diâmetro da semente
O leito de semeadura na atualidade é o substrato comercial à base de casca de pinheiro e as antigas caixas de semeadura foram substituídas por bandejas multicelulares de poliestireno expandido. 

Bandeja multicelular de poliestireno expandido

Antes, misturas diversas eram utilizadas em caixas-sementeiras. Uma delas misturava areia de construção com composto orgânico (esterco curtido) na base de 1:1. Também terra de jardim e composto orgânico na mesma proporção.
O semeador deve se ater ao tamanho da semente.  A profundidade de semeadura é de 2 vezes o maior diâmetro da semente para permitir sucesso no estabelecimento e fixação da planta. Sementes muito pequenas não devem ser enterradas pois assim não se estabeleceriam, estando sujeitas a se degradarem no solo antes de sua germinação. 

Estacas de rizoma de Mentha piperita enraizadas em água.
A principal forma de aproveitamento dos ramos frescos encontrados nas feiras é na forma de estacas herbáceas. É comum transportarem-se tais estacas acondicionadas em sacos de polietileno (saco plástico). Cabe uma advertência a quem o faz num veículo. Deve-se colocar os sacos embaixo dos bancos para que não sejam atingidos por réstias de sol que podem super aquecer as peças, inutilizando o material vegetal. Chegando em casa, deve-se remover as folhas maduras deixando apenas as duas ou três mais novas (ponteiras) e está pronta a estaca herbácea. Esta deve ter em torno de 15 a 20 cm de comprimento e pelo menos dois nós, um dos quais situado na extremidade basal da peça. Soterrada no leito de areia úmida até a sua metade (10 cm), a estaca estará enraizada em duas semanas, tendo emitido novas brotações. Ter-se-á então a muda propagada vegetativamente. Bastará então que seja retirada da areia e implantada, na mesma profundidade anterior, em substrato de areia mais composto orgânico (esterco velho) na proporção de 1:1. Esta muda então crescerá e se estabelecerá. É importante lembrar que, ao se utilizar vaso ou lata como recipiente, este deverá ter o furo de drenagem para evitar o encharcamento e consequentemente a morte da planta. 
Enfim, uma boa estaca deve ter reservas (carboidratos), o que é garantido pelo tamanho, substâncias de crescimento (hormônios) presentes nas gemas, e turgência. O substrato deverá prover oxigênio, água e calor (ideal em torno de 25ºC). Daí porque o leito de areia é tão propício ao enraizamento de estacas: ele é quente e arejado, embora não retenha fortemente a água, que deverá ser suplementada com a frequência adequada. Quando a estaca é ponteira ou herbácea, sua quantidade de reserva é mínima. Portanto, pelo menos duas folhas novas devem ser deixadas, para que ocorra a fotossíntese e se produzam as reservas. Logicamente, o leito de enraizamento deve ser instalado em local iluminado. Recentemente tem-se obtido sucesso com a miniestaquia, ou seja, propagar certas plantas com estacas de 2 cm em média, com apenas 1 nó. 
Estacas herbáceas podem facilmente ressecar e morrer, frustrando-se então seu enraizamento e sua “pega”. Recomenda-se portanto colocar o vaso ou recipiente à meia sombra, eventualmente cobrindo-o, ao menos parcialmente, com saco plástico transparente com um furo na parte superior para reter a umidade na atmosfera em torno da estaca, isso desde que não incida sol direto sobre vaso. Grandes copos de plástico transparente podem substituir o saco plástico transparente, desde que com furos na parte superior para escoar o ar quente. Tão logo novas brotações surjam, o plástico poderá ser retirado. Não se deve expor esta pequena estufa aos raios solares diretos por risco de superaquecimento e consequentemente a morte da estaca. Todo este aparato pode ser dispensado se a região for úmida e quente (Pará, Fortaleza, Recife...etc).
Sistemática de produção de mudas por miniestaquia com a utilização de estufins de copos de plástico. Observe-se que as miniestacas apresentam-se deitadas sobre o leito e não enterradas.


Muitas vezes o que se encontra na feira é a planta inteira fresca ou um rebento, como são os casos da babosa, da transagem e da ipecacuanha branca. Neste caso bastaria planta-la sob as mesmas condições descritas acima, para lograrmos seu estabelecimento. Os demais propágulos: tubérculos, raízes tuberosas gemíferas, rizomas, bulbos e pseudobulbos, são por demais óbvios, bastando planta-los em solo fértil, com umidade adequada, cobertos com fina camada de terra. Se as demais condições ambientais (luz, temperatura ...) forem adequadas à espécie, os propágulos brotarão e enraizarão, estabelecendo-se em curto espaço de tempo. Para o plantio definitivo, as plantas podem ser transplantadas para um jardim doméstico comum, cujo solo é, em geral, adequado à maioria das plantas medicinais cultivadas.

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Referência: 
MATTOS, J.K.A. Plantas medicinais. Aspectos agronômicos. Edição do Autor. 1996. 51 p.
Hortaliças frescas no setor próprio em supermercado. 
Algumas peças funcionam bem como estacas herbáceas.